pedra polida
O vizinho bate à porta. Deveria me sentir grata por ter onde morar. Por ter um teto que me cubra. Calo. Sorrio para o homem que aparenta ter a idade de meu pai. Fui educada e polida de tal forma que não destrato ninguém. Agradeço até pontapé. O homem reclama da árvore.
— Percebe como está soltando folhas?
Respondo sorridente. E guardo para mim a segunda opinião. A verdade que é minha. Pois não me importam as folhas que caem da árvore. Minhas preocupações são outras. Mas nada explicarei ao vizinho que aparenta ter a idade de meu pai. Invento uma desculpa e digo que cuidarei de podar a coitada da planta presa pelo concreto que cerca o jardim.
— A senhora há de entender.
Entendo tudo. Porém, não digo. Tenho preguiça de dizer o que penso. Por isso, escrevo. E não diria ao vizinho que estava ocupada escrevendo. O homem, que aparenta ter a idade de meu pai, não entenderia a importância de escrever. Não há importância em escrever. Que inútil, diria o vizinho. E eu concordaria. Tenho mania de concordar com o que discordo.
— Espero que tome providências!
Tomarei vinho. Isso sim. E ficarei sob a árvore, me deixando tocar pelas folhas que caem. Me deixarei quieta, sentindo o áspero de cada folha em minha pele de mulher educada e polida que agradece até pontapé. Eu deveria mesmo ser grata por ter ainda as mãos livres e a honrosa permissão para escrever.
Comentários
E sim, escrever é muito melhor que bater.