humanístico

Flores de toda idade é a infância e não há, em tão breve mundo, alguém que não se lembre ou se apegue e não queira novamente o vento de uma tarde que o tempo esconde, pois a memória traz inquieta aos olhos que enxergam o passado de forma a fazer saudade de nós. Minha mãe a lavar roupas, tão atarefada franzindo o cenho e quase se esquecendo de ser bonita enquanto olhava distraída a brancura das vestes de suas crias. Varais atravessavam sua imagem e era de um olhar perdido que ela se portava e carros passavam em todas as avenidas e nós brincávamos no quintal de casa e as roupas cheiravam a sabão em pedra e minha mãe parecia máquina de afazeres enquanto manisfetava notícias nosso antigo rádio de pilha. E eu, desbravador de meu jardim, brincava com formigas. Procurava nomes, as humanizava, as colocava no caminho das hortaliças e fazia das tais pequenas criaturas, inseparáveis amigas e, quando uma delas se desfazia em minhas mãos, de tão sensível corpo minhas meninas, eu chorava desconsolado e minha mãe deixava seu sono aberto de esquecer o dia e corria a me acudir. Aninhava seu menino em seu colo, em seu terno amor sem outro que a faça esquecida e eu me sentia salvo de minhas dores infantis. Por que chora? E eu que tinha meu enorme mundo em casa, protegido nos braços maternos, hoje sou filho da pressa, das vertigens, do calor e do asfalto que me enterra e vivo de minha tragédia. Alimento-me de trabalho, tenho filhos, mulher que de mim se distancia e, em passos falsos, piso em formigas que antes eram amigas e me faço de tolo sorrindo mesmo certo de que o mundo não saberá de minhas horas vazias de comer passado e entornar a vida.
Image by Piotr Olech
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Posso me colocar como um ser que foi feito Saudade. Era o que pensava no meu caminhar de volta para casa após o trabalho. Entre outros, meu nome é Saudade. Se me chamares, eu atenderei. Saudade que quem foi, saudade de quem ou daquilo que não veio, saudade de quem ou do que me foi tirado. E fico pensando por que que a vida não depende só de mim...